Conservação Voluntária da Natureza

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FREPESP 16 ANOS “ENTREVISTA ZEZÉ ZAKIA”

Setembro/2017

FREPESP 16 ANOS  “ENTREVISTA ZEZÉ ZAKIA”

 

Por: Ana Celina Tiburcio

O conteúdo que segue abaixo é fruto de uma conversa descontraída e sincera com a engenheira florestal e conselheira da FREPESP, Maria José Brito Zakia.

A consultora ambiental, Zezé Zakia, como é conhecida, no bate papo “ESPECIAL 16 ANOS FREPESP”, entre avanços e necessidades de melhorias, traz questões relacionadas à ‘nova lei florestal’ – considerando pontos da conservação tanto a obrigatória como a voluntária em terras privadas.

Leia a entrevista completa.

A PROTEÇÃO EM ÁREAS PARTICULARES, MARCO LEGAL

 

“A constatação de que a conservação não é só papel do Estado, mas, sim de todos nós,

está consolidada, inclusive com a nova lei florestal. ”

 

CONSERVAÇÃO VOLUNTÁRIA. Essa é mais especial, pois, embora já haja muitas áreas a serem recompostas OBRIGATORIAMENTE nas terras públicas e privadas, a conservação voluntária, ou seja, aquela que vai além das obrigações tem e sempre terá um papel fundamental na conservação dos recursos naturais.

Não podemos esquecer que no estado de SP cerca de 60% do território é representado por imóveis rurais privados e, portanto, a conservação voluntária em terras privadas faz diferença na qualidade ambiental do Estado.

E quando falamos em conservação voluntária estamos nos referindo à oportunidade para o proprietário que quer ter um olhar diferenciado para tua propriedade rural em especial sobre aquela floresta, sobre aquela vegetação nativa que ele tem.

RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÔNIO NATURAL – RPPN

Quando a (instituição) Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN foi criada, na década de 90, a ideia era permitir que a propriedade privada pudesse contribuir com a conservação de florestas que até então era papel do Estado.

Assim, por meio do reconhecimento de RPPN, o proprietário que quiser pode fazer ser parceiro da sociedade (e do Estado) na conservação na biodiversidade.

Estamos evoluindo! E precisamos da propriedade rural como parceiros na conservação seja ela voluntária ou decorrente de obrigação legal uma vez que quando tão mais a conservação estivar integrada à propriedade mais efetiva será nossa conservação e mais perto estaremos do cumprimento das metas estabelecidas pelo Brasil junto à convenção do Clima, aponta Zezé Zakia.

BRASIL. Dos 12 milhões de hectares que o Brasil se comprometeu a recompor estima-se que cerca de 1,2 milhões de hectares a serem recompostos obrigatoriamente por força da nova lei florestal estão no estado de São Paulo.

A frente deste cenário está a conservação voluntária quando proprietários de RPPN, por exemplo, tem áreas de vegetação nativa em termos percentuais maior do que a lei exige.

 “Precisamos conscientizar e incentivar cada vez mais proprietários rurais para que tenham o desejo da conservação. ”

3 FASES DA CONSERVAÇÃO

 

 

FASE 1. Nos anos 80 e principalmente com a nova constituição, quando a vegetação nativa na propriedade rural foi entendida como “a floresta a serviço da propriedade rural” – vista como proteção da propriedade rural.

FASE 2. A constituição de 1988 trouxe um forte capítulo do meio ambiente reconhecendo a função social da propriedade, ou seja, a mesma vegetação nativa que se pensava importante para proteger a propriedade também faz falta para a conservação da biodiversidade – local, regional e nacional. Bem como para as bacias hidrográficas e a paisagem.

Neste momento apontam os primeiros esforços de se tornar obrigatória a recomposição da vegetação nativa.

FASE 3, a fase atual. Consolidamos a nova lei florestal e associada aos programas nacionais e estaduais de mudanças climáticas, conservação das águas e da biodiversidade – e cumprimento das metas que o Brasil se colocou em termos de mudanças climáticas como os esforços e controle e combate ao desmatamento.

Hoje, explica Zakia, a propriedade rural é multifuncional passando desde atributos para o proprietário, pela conservação da natureza (fauna, flora, recursos naturais e serviços ecossistêmicos) até a os direitos difusos para a sociedade.

“Em termos conceituais o mais importante é a consolidação de que precisamos da conservação em terras privadas para fazer a conservação de água, de solo e de biodiversidade”

 

AVANÇOS PARA AS RPPNs

Para Zeze Zakia, o principal avanço ao longo deste processo que começa nos anos 90 e que vem evoluindo – mais fortemente nos anos 2000, e acaba se consolidando com a discussão da nova lei florestal e com as políticas voltadas às mudanças climáticas, é com o reconhecimento da figura do “protetor-recebedor” (aquele que protege pode receber incentivos para tal).

Observa que o “protetor-recebedor” seria um contraponto ao “poluidor-pagador” (aquele que polui é responsável pela sua poluição e deve “pagar” os danos causados).

Demorou muito para o Brasil – como nação, como lei – reconhecer que aqueles que protegem também podem receber algo – surgindo assim os mecanismos de incentivos econômicos, onde o mais conhecido é “Pagamento por Serviços Ambientais” – PSA.

Zakia ressalta que às vezes temos usado o termo PSA como sinônimo de incentivos econômicos, mas nem todo incentivo econômico é PSA, porém, ficou um “apelido” de incentivos econômicos.

Na opinião da consultora ambiental, um dos principais avanços é esse reconhecimento de quem protege pode receber e que, muitas vezes, precisa receber.

“Temos o PSA para os RPPNistas paulistas como um dos mais

importantes avanços e instrumento.”

Outro avanço que vale destacar é a parceria que os proprietários de RPPN possuem com a Polícia Ambiental, via Coordenadoria de Fiscalização Ambiental – CFA, para a vigilância de suas áreas – como tem acontecido no contexto do “Plano de Apoio e Proteção às RPPNs” no âmbito do termo de convênio com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Saiba mais, aqui.

 

EVOLUÇÃO DAS RPPNs

Hoje, é possível ver em números o avanço de áreas protegidas em reservas particulares da natureza. Com 1.400 RPPNs em todo o Brasil – há a presença destas reservas nos 26 estados brasileiros, e que somam uma área de 764.504,81 hectares protegidos. São Paulo, até o momento, representa o universo de 90 RPPNs com 21.730,60 hectares de áreas protegidas. Interessante, lembra Zezé Zakia, que é possível ter RPPNs dos mais variados tamanhos.

Por exemplo, a paranaense, localizada em Curitiba, RPPN Jataí com 0,07 hectares, e a RPPN Sesc Pantanal com 107.996 hectares, e que corresponde a quase 1% da extensão total do pantanal mato-grossense, é a maior RPPN do Brasil – constituída de antigas fazendas de gado desativadas, exibindo hoje árvores exuberantes, solo fértil e uma fauna bela e diversa.

 

CONSERVAÇÃO EM TERRAS PRIVADAS E A BIODIVERSIDADE,

UM PONTO A SE AVANÇAR.

Em conversas com proprietários rurais, Zezé Zakia nos relata que há muitos deles que possuem vegetação nativa em suas propriedades e com fortíssimo interesse em conservar. Mas, acha que a RPPN impõe restrições que eles não querem assumir neste momento.

“A razão está no impasse em relação à biodiversidade”. E explica que os proprietários afirmam não saberem o que virá pela frente – há um certo temor em relação ao governo. É certo que já houve dificuldades até para coletar sementes…

Mas, a consultora lembra que em São Paulo, por exemplo, há a Resolução SMA nº 68/2008 que permite a coleta de sementes desde que prevista no Plano de Manejo da RPPN. E acredita que a conservação pode permitir alguns manejos na área que não descaracterizem a conservação – tudo é uma evolução, exclama.

Uma questão que esbarra neste entendimento – ou desentendimento, é que em termos práticos a RPPN está no grupo de proteção integral, porém, em termos jurídicos está no grupo de uso sustentável no texto do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei 9.985/2000), e o que tem impedido que a RPPN receba recurso da Compensação Ambiental prevista no SNUC – que são recursos financeiros oriundos de empreendimentos que podem ir para conservação de proteção integral.

Desta forma, a RPPN com as restrições de uma unidade de conservação de proteção integral, mas, definida no SNUC no grupo de uso sustentável cria uma situação que, 30 anos depois, podemos pensar diferente.

“A RPPN não pode ser duas coisas, ela é ou não é.

Não pode ficar no meio do caminho. ”

Para a consultora ambiental, diante do SNUC, a RPPN deve ser reconhecida (de fato) como de proteção integral – como é conhecida na prática. E afirma não ter a necessidade de criar uma categoria de uso sustentável para as RPPNs – já que entende que a Reserva Legal (RL) já é um espaço de para uso sustentável da propriedade, bem como casos de servidão ambiental.

Quanto ao uso da reserva legal, entende de que forma cuidadosa é possível considerar algo nos moldes dos conceitos da já existente Áreas de Alto Valor de Conservação – AAVC, dependendo do desejo do proprietário e do “jogo” que joga na paisagem.

  

“Propriedades bem manejadas, possuindo RPPN com o intuito de proteção da natureza em caráter perpétuo, não são impeditivos para usos sustentáveis. ”

 

Destaques:

  1. Adequar a RPPN no grupo de proteção integral.
  2. RL já seria um espaço para uso sustentável na RPPN, bem como casos de servidão ambiental.

SERVIÇOS AMBIENTAIS

 

 

Os Serviços Ambientais – o PSA já tem algumas inciativas no Estado de São Paulo – a iniciativa mais efetiva é destinada ao perfil conservacionista, ou seja, o que Zezé Zakia chama de efetividade é quanto ao dinheiro destinado – o percentual que chega aos proprietários no programa das RPPN é mais de 70%.

Enquanto em outros programas de PSA em que se há que mapear, motivar os proprietários e etc, 80%…90% fica no meio do caminho, e só 30% chega no proprietário rural.

Já em relação ao proprietário de Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, sublinha a consultora ambiental, não é preciso motivá-lo dizendo que a conservação de água e floresta são importantes e que ele está inserido na bacia hidrográfica – pois, ele já está conscientizado. É algo muito mais efetivo!

“Não é uma comparação entre propriedade que faz ou não faz a conservação da natureza, porém, quando a conservação já está instituída, tudo fica mais fácil. ”

Quanto mais organizado estiver o proprietário rural, mais fácil será esse caminho “meio” – porque ele não será necessário. “É preciso pensar nisto pra valer”, exclama Zezé.

 ADEQUAÇÃO À NOVA LEI FLORESTAL

Zezé Zakia explica que o cenário da regularização ambiental que na verdade é a adequação à nova lei florestal tem 3 grandes passos:

1 º passo é o Cadastro Ambiental Rural – CAR;

2º passo é Programa de Regularização Ambiental – PRA;

3º passo é a comprovação de que se cumpriu o PRA.

Esses são os passos do momento em que se inscreve no CAR até a hora que a propriedade é considerada regularizada.

A engenheira florestal considera que o Estado de São Paulo está indo bem em termos de CAR, e lembra que é possível consultar os dados de boa parte do Estado no DataGeo (Infraestrutura de Dados Espaciais Ambientais do Estado de São Paulo).

A fase agora e ainda é a discussão sobre a normatização/ a regulamentação de como será feito o Programa de Regularização Ambiental – PRA.

Zezé Zakia se diz animada em relação ao ambiente de cooperação entre as diferentes instituições para que este cumprimento legal seja também uma ótima oportunidade de ordenamento da propriedade rural e do espaço rural, “está sendo muito efetivo”, afirma.

Não podemos esquecer que a maioria da população de SP vive em áreas urbanas e precisa conhecer e reconhecer a sociedade rural e entender que todos estão com os mesmos desejos de recomposição, mas que todos precisam da ajuda de todos.

“A cidade não pode continuar somente a enviar a conta para o rural.”

 

BALANÇO FREPESP

Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo

“…tratando de um assunto tão especifico e

conseguir atuar há 16 anos já é uma ótima notícia!”

A adequação à nova lei florestal deu uma sacudida na conservação voluntária em terras privadas. As RPPNs tratam da conservação voluntária e a nova lei florestal traz a conservação obrigatória.

Para Zezé é o momento da FREPESP levar cada vez mais conhecimento e exemplos de boas práticas, e lembra que isso pode ser promovido por meio da parceria com a “Cesta de Benefícios para Associados da FREPESP”  – com serviços como assistência técnica, cursos, capacitações, palestras…

Fora os eventos em geral que a FREPESP realiza anualmente com parceiros – um caminho viável também que a Federação vem trilhando, o de assumir junto a outras instituições, e sempre ligada ao órgão ambiental, esse papel de extensão naquele que tem interesse em dar um olhar para além do legal na sua propriedade rural.

“Dizem muito o que não se pode fazer,

é o momento de mostrar o quê e como pode ser feito! ”

 

 ASSOCIAÇÃO E ASSOCIADOS

Em seu papel, cada dia mais, a FREPESP busca estar presente nas questões de importância para a conservação voluntária sobretudo paulista. Para tanto, a adesão ao associativismo na FREPESP se faz primordial já que a representatividade dos proprietários de RPPNs se torna cada vez mais legítima – não só em números de RPPNs, mas em áreas de conservação representada. Bem como fortalece a instituição de modo geral.

Entendamos ao mesmo tempo que a conservação voluntária em terras privadas não exclui aquele que não possui RPPN em sua propriedade, pelo contrário, inclui aquele proprietário e área que excede o mínimo exigido pela lei florestal.

Ou seja, possuindo remanescentes de Mata Atlântica e/ou Cerrado pode também se associar à FREPESP – e participar de suas atividades, eventos e benefícios. Bem como pessoas físicas simpáticas à causa/ ao movimento – “como é o meu caso”, confirma Zakia.

“Juntos e organizados somos mais legítimos em representatividade e pela busca por incentivos em geral. ”

Num universo de 90 RPPNs no estado de São Paulo, hoje, são 34 RPPNs associadas à FREPESP e o que dá uma legitimidade para que a Federação represente os interesses da conservação voluntária em terras privadas nos mais diferentes fóruns, mas, “podemos ir além”, conclui Zezé Zakia.

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Comunicação FREPESP